sexta-feira, 15 de julho de 2011

Meia-Noite em Paris e Buñuel

Atenção: pode conter spoilers!

Semana passada eu assisti – duas vezes - ao último filme de Woody Allen, desde Match Point não deixo de assistir aos seus filmes no cinema e depois em casa, além de ficar horas divagando e contando os detalhes para família e amigos.
O longa filmado na Cidade Luz, onde é impossível dizer se é mais bonita de dia ou de noite, como diz Adriana, personagem interpretada pela lindíssima Marion Cotillard, possui tantas, mas tantas referências externas que é preciso um super conhecimento em literatura e arte modernista para compreender profundamente suas tiradas.
Confesso, não sou conhecedora dessa geração que habitava Paris na década de 20, li apenas o Velho e o Mar do Hemingway, que curiosamente fiz este post engraçado para minhas amigas “pescadoras de relacionamento”, sabia quem era Salvador Dalí, pois meu pai tem umas reproduções de seus quadros em casa, quadros bem malucos:

O protagonista Gil conhece os surrealistas Salvador Dalí, Man Ray e Buñuel em um café numa das cenas mais engraçadas do filme e confidencia que não é daquela época! Ele veio do futuro, os artistas não se espantam e Man Ray diz ser plausível, ao que Gil responde: “você é um surrealista e eu sou um cara normal”.
Em outro momento ele se reencontra com o cineasta Buñuel e sugere um filme, um grupo de pessoas sai para jantar e não consegue sair da sala, pelo tom de chacota deu para entender que se tratava de um filme que ele faria realmente.
Procurei na net e vi que era O Anjo Exterminador, de 1962.
Leia a resenha que Christian Caselli fez sobre o filme.



Luis Buñuel nasceu em Calanda,a 22 de Fevereiro de 1900 era espanhol, mas foi nacionalizado mexicano. Trabalhou com Salvador Dalí, de quem sofreu fortes influências na sua obra surrealista, o que mostra no filme.
Sua obra cinematográfica é aclamada pela crítica, mas sempre cercada por uma aura de escândalo, além de influenciar fortemente a carreira de ninguém menos que o conterrâneo Pedro Almodovar.

Um de seus filmes mais icônicos é “Un chien Andalou” (Um Cão Andaluz) de 1929, com aquela famosa cena de um olho sendo cortado, morro de aflição, mas tem uma explicação que eu achei legal, estando no início do filme ela adverte quem o assiste, ele deve ser visto com um olhar diferente.

Na cena da mão cheia de formigas, é a coceira por matar! São interpretações, que não podemos aceitar sem questionar, já que os filmes surrealistas foram feitos de maneira que cada pessoa possa interpretar como quiser! Por isso são tão interessantes. Conta-se que ao ganhar o Leão de Ouro de Veneza por A Bela da Tarde, perguntaram para Buñuel o significado da caixinha de música que um japonês carrega quando no quarto com Catherine Deneuve. O cineasta respondeu que não sabia. Por isso o espectador não pode racionalizar dentro de determinada lógica nos filmes surrealistas. 

 Ele dirigiu Belle de Jour, de 1967, filme que lançou (e marcou) a lindíssima Catherine Deneuve, a atmosfera de sonho e a questão sobre caráter são importantes em sua obra. Eu resumi para meus colegas o enredo do filme:
“conta a história de uma senhora casada que apesar de feliz, não se sente atraída pelo marido, e descobre uma maneira de realizar suas fantasias, prostituir-se e como só pode durante a tarde, ganhou o apelido de Bela da Tarde. ”


Com a palavra, o próprio...
Buñuel por Dalí


“Num bar, para provocar e entreter um devaneio, é preciso gim inglês. Minha bebida predileta é o dry-martini. Considerando o papel que o dry-martini representou nesta vida que relato, devo dedicar-lhe uma ou duas páginas. Como todos os coquetéis, o dry-martini é provavelmente uma invenção americana. Compõe-se, essencialmente de gim e de algumas gotas de vermute, de preferência de Noilly-Prat. Os verdadeiros aficionados, que gostam de seu martini muito seco, chegavam ao ponto de sustentar que bastava simplesmente que um raio de sol atravessasse uma garrafa de Noilly-Prat antes de atingir o copo de gim. Um bom dry-martini, dizia-se em certa época, deve assemelhar-se à concepção da Virgem Maria. Sabe-se, efetivamente, que segundo Santo Tomás de Aquino, o poder gerador do Espírito Santo atravessou o hímen da Virgem “como um raio de sol passa através de um vidro, sem rompê-lo”. O mesmo ocorre em relação ao Noilly-Prat, diziam. Mas isso me parece um pouco excessivo.
Outra recomendação: é preciso que o gelo utilizado esteja totalmente congelado, muito duro, para que não solte água. Nada pior do que um martini aguado.
Permitam que dê minha receita pessoal, fruto de uma longa experiência, com a qual sempre obtive grande sucesso.
No dia anterior à vinda de meus convidados, coloco na geladeira tudo o que é necessário: os copos, o gim, a coqueteleira. Tenho um termômetro que me permite verificar se o gelo está numa temperatura de mais ou menos vinte graus abaixo de zero.
 No dia seguinte, quando meus amigos já estão presentes, pego tudo o que me é necessário. No gelo bem duro derramo primeiro algumas gotas de Noilly-Prat e uma meia colher de café de angostura. Sacudo tudo, depois esvazio. Só conservo o gelo, que mantém os vestígios muito leves dos dois perfumes, e derramo gim puro sobre esse gelo. Sacudo ainda um pouco e sirvo. Isso é tudo, e não há nada mais além disso.”
Meu último suspiro – Autobiografia de Luis Buñuel

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